A BÊNÇÃO DA MALDIÇÃO
Muitas coisas têm acontecido nos últimos
15 anos que têm provocado o pensamento lógico e despertado nossa criatividade.
Fatos como: a virada do milênio, o atentado ao World Trade Center (11.09.2001),
a morte do Papa João Paulo II e consequentemente a escolha do novo Papa (2005),
e recentemente o possível fim do mundo de 21 de Dezembro de 2012. Se não fosse
o suficiente, em Fevereiro desse ano, outro grande fato abalou o mundo e tem fomentado
muitas ideias e especulações – a renúncia ao papado por Joseph A. Ratzinger.
Diante desses fatos, sejam eles prestes a acontecer ou depois do ocorrido,
muitos comentários têm surgido a respeito. Comentários esses que são baseados,
muitas vezes, nas profecias e simbolismos bíblicos. Alguns chegam a ser
absurdos e fantasiosos, enquanto outros parecem extremamente plausíveis. Muitas
pessoas ficam preocupadas, outras temerosas. Algumas mantêm-se céticas,
enquanto outras ignoram qualquer fato. Mas o assunto é debatido, comentado e
especulado, seja em sermões e palestras no interior de igrejas, ou em
documentários e reportagens na televisão. A questão é: por quê? Por que essa necessidade
de estarmos sempre preocupados ou envolvidos com algo “místico” e “sensacional”
envolvendo um grande acontecimento global? Contudo, ao passar o evento, não
correspondendo às nossas expectativas e imaginações, encontramos em um novo ou
iminente fato uma oportunidade para iniciar tudo de novo, formando assim um
tipo de ciclo vicioso apocalíptico (evento x => sensacionalismo apocalíptico
=> expectativa => decepção).
A resposta a tudo isso, eu creio, está
dentro de nós. Dentro de nós parece haver uma chama, mesmo que pequena ou mesmo
negativa, que arde continuamente. Uma chama de esperança. Creio que estamos
cansados do mundo em que vivemos e da triste vida que levamos. Assim como a
cada momento quase tudo a nossa volta sofre um contínuo upgrade, parece
que gostaríamos que o mundo sofresse um tipo de mudança drástica. Mesmo que
isso colocasse em jogo nossa própria existência (downgrade). A cada novo
fato global, criamos um mundo de possibilidades apocalípticas envolvendo o fim
do mundo ou a destruição total da humanidade. Por mais estranho que seja, isso
sugere que temos esperança de algo. Essa esperança é tão almejada e necessária
que desenvolvemos por meio de especulações, conjeturas, hipóteses e
sensacionalismo, os mais diversos tipos de reações e ideias, quase sempre
construídas sobre os símbolos bíblico-apocalípticos. Nutrindo em silêncio uma
curiosa expectativa sobre o que acontecerá após tudo acabar.
Sábios judeus do passado, prevendo
possíveis especulações e reações como essas, formularam uma maldição com
relação à marcação de datas sobre a chegada do fim (um evento que está
relacionado à vinda do Messias mencionada em Daniel 9:24-27): “Que sejam
arruinados os ossos daqueles que calculam o fim”.[1]
Apesar de parecer cruel, essa maldição contém, ou é, uma grande bênção. Pois o
motivo da maldição é descrito em seguida: “Pois eles [os que marcam datas]
diriam: Ele nunca virá, visto que o tempo predeterminado chegue e Ele não
venha”.
O ponto a ser observado, é que esses
documentários, reportagens, notícias e comentários especulativos,
sensacionalistas e hipotéticos em cima desses “eventos apocalípticos”, diminuem
nossa esperança no verdadeiro evento que está por vir. Porque a cada vez que
construímos uma teologia duvidosa em torno de tais eventos, baseados em nossa
ansiedade, podemos aos poucos perder a esperança ante as decepções. Diante
disso, a maldição judaica não diz que não devamos estudar as profecias, mas que
não devemos especula-las. Dessa forma, a maldição se tornará uma bênção – uma
proteção contra a perda da esperança.
Encontramos essa mesma ideia paradoxal na
palavra hebraica para “abençoar” – barakh. A palavra barakh é
bastante intrigante para alguns tradutores, pois embora traga geralmente a
conotação de “abençoar”, algumas vezes também pode ser traduzida por
“amaldiçoar” (Jó 2:9; 1Rs 21:10). Esse estranho paradoxo na verdade pode ser
facilmente entendido quando visto à luz do pensamento hebraico. Pois no
pensamento hebraico é comum que uma mesma palavra possa, ao mesmo tempo, significar
o seu antônimo. Isso porque as palavras hebraicas não são estáticas, mas vivas
– a essência está na ação/realização que a palavra representa. Assim, uma
bênção pode se tornar uma maldição quando utilizada sem a direção divina. Da
mesma forma, uma maldição pode se tornar uma bênção se tomada com respeito e
amor a Deus. Esse foi o caso com Saul, Judas, Ananias e Safira, Salomão, entre
outros, que transformaram as bênçãos de Deus em maldições para sua vida.
Uma profecia bíblica é uma bênção divina,
mas pode se tornar em uma maldição quando mal interpretada. Todos os momentos
são oportunos para entendermos e procurarmos saber a vontade de Deus, mas
nesses e noutros momentos de grandes fatos mundiais, tomemos a oportunidade
para aprender ainda mais sobre a revelação de Deus. Contudo, antes de começarmos
freneticamente a fazer malabarismos com a palavra de Deus ante o primeiro ruído
de notícia, devemos procurar estudar as profecias bíblicas e nos manter atentos
aos eventos, esperando com cautela e em oração que a própria história revele
mais detalhes (Dn 2:20-21), para que então possamos comparar com as profecias a
fim de entendê-las melhor (Mt 24:15ss).
Ao fazermos assim nossa esperança é
renovada, conservada e aumentada. Mas se continuarmos a especular e profetizar
eventos alheios à palavra de Deus corremos o risco de perder a esperança e,
ainda pior, corremos o risco de diminuir a esperança do nosso próximo. As
profecias são bênçãos de Deus se usadas com sabedoria, mas essas bênçãos podem
se tornar maldições em nossas mãos. Por outro lado, a maldição dos sábios
judeus pode ser uma bênção para nós e para as pessoas que nos cercam se levada
em consideração. Mantendo viva a esperança no verdadeiro evento – a volta de
Jesus.
E para os ansiosos e apressados que
continuam a se perguntar: “mas por que o Senhor tarda tanto?”, a resposta se
encontra no Seu grande amor pelos seres humanos. Assim, não deveríamos nós atentar
à Sua Palavra e, igualmente, amar nosso próximo a fim de criar/conservar dentro
deles a chama da esperança no grande evento apocalíptico que é o retorno do
nosso Salvador Jesus Cristo? Sobre isso o Talmude continua: “Mas por que o
Senhor tarda tanto? Por causa do Seu atributo de justiça que O faz demorar. Então
por que devemos esperar? Para sermos recompensados pela esperança, como está
escrito: ‘bem-aventurados todos os que nEle esperam’” (Isaías 30:18).[2]
Por Wilian Cardoso
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