quarta-feira, 29 de maio de 2013

A BÊNÇÃO DA MALDIÇÃO


Muitas coisas têm acontecido nos últimos 15 anos que têm provocado o pensamento lógico e despertado nossa criatividade. Fatos como: a virada do milênio, o atentado ao World Trade Center (11.09.2001), a morte do Papa João Paulo II e consequentemente a escolha do novo Papa (2005), e recentemente o possível fim do mundo de 21 de Dezembro de 2012. Se não fosse o suficiente, em Fevereiro desse ano, outro grande fato abalou o mundo e tem fomentado muitas ideias e especulações – a renúncia ao papado por Joseph A. Ratzinger. Diante desses fatos, sejam eles prestes a acontecer ou depois do ocorrido, muitos comentários têm surgido a respeito. Comentários esses que são baseados, muitas vezes, nas profecias e simbolismos bíblicos. Alguns chegam a ser absurdos e fantasiosos, enquanto outros parecem extremamente plausíveis. Muitas pessoas ficam preocupadas, outras temerosas. Algumas mantêm-se céticas, enquanto outras ignoram qualquer fato. Mas o assunto é debatido, comentado e especulado, seja em sermões e palestras no interior de igrejas, ou em documentários e reportagens na televisão. A questão é: por quê? Por que essa necessidade de estarmos sempre preocupados ou envolvidos com algo “místico” e “sensacional” envolvendo um grande acontecimento global? Contudo, ao passar o evento, não correspondendo às nossas expectativas e imaginações, encontramos em um novo ou iminente fato uma oportunidade para iniciar tudo de novo, formando assim um tipo de ciclo vicioso apocalíptico (evento x => sensacionalismo apocalíptico => expectativa => decepção).
A resposta a tudo isso, eu creio, está dentro de nós. Dentro de nós parece haver uma chama, mesmo que pequena ou mesmo negativa, que arde continuamente. Uma chama de esperança. Creio que estamos cansados do mundo em que vivemos e da triste vida que levamos. Assim como a cada momento quase tudo a nossa volta sofre um contínuo upgrade, parece que gostaríamos que o mundo sofresse um tipo de mudança drástica. Mesmo que isso colocasse em jogo nossa própria existência (downgrade). A cada novo fato global, criamos um mundo de possibilidades apocalípticas envolvendo o fim do mundo ou a destruição total da humanidade. Por mais estranho que seja, isso sugere que temos esperança de algo. Essa esperança é tão almejada e necessária que desenvolvemos por meio de especulações, conjeturas, hipóteses e sensacionalismo, os mais diversos tipos de reações e ideias, quase sempre construídas sobre os símbolos bíblico-apocalípticos. Nutrindo em silêncio uma curiosa expectativa sobre o que acontecerá após tudo acabar.
Sábios judeus do passado, prevendo possíveis especulações e reações como essas, formularam uma maldição com relação à marcação de datas sobre a chegada do fim (um evento que está relacionado à vinda do Messias mencionada em Daniel 9:24-27): “Que sejam arruinados os ossos daqueles que calculam o fim”.[1] Apesar de parecer cruel, essa maldição contém, ou é, uma grande bênção. Pois o motivo da maldição é descrito em seguida: “Pois eles [os que marcam datas] diriam: Ele nunca virá, visto que o tempo predeterminado chegue e Ele não venha”.
O ponto a ser observado, é que esses documentários, reportagens, notícias e comentários especulativos, sensacionalistas e hipotéticos em cima desses “eventos apocalípticos”, diminuem nossa esperança no verdadeiro evento que está por vir. Porque a cada vez que construímos uma teologia duvidosa em torno de tais eventos, baseados em nossa ansiedade, podemos aos poucos perder a esperança ante as decepções. Diante disso, a maldição judaica não diz que não devamos estudar as profecias, mas que não devemos especula-las. Dessa forma, a maldição se tornará uma bênção – uma proteção contra a perda da esperança.
Encontramos essa mesma ideia paradoxal na palavra hebraica para “abençoar” – barakh. A palavra barakh é bastante intrigante para alguns tradutores, pois embora traga geralmente a conotação de “abençoar”, algumas vezes também pode ser traduzida por “amaldiçoar” (Jó 2:9; 1Rs 21:10). Esse estranho paradoxo na verdade pode ser facilmente entendido quando visto à luz do pensamento hebraico. Pois no pensamento hebraico é comum que uma mesma palavra possa, ao mesmo tempo, significar o seu antônimo. Isso porque as palavras hebraicas não são estáticas, mas vivas – a essência está na ação/realização que a palavra representa. Assim, uma bênção pode se tornar uma maldição quando utilizada sem a direção divina. Da mesma forma, uma maldição pode se tornar uma bênção se tomada com respeito e amor a Deus. Esse foi o caso com Saul, Judas, Ananias e Safira, Salomão, entre outros, que transformaram as bênçãos de Deus em maldições para sua vida.
Uma profecia bíblica é uma bênção divina, mas pode se tornar em uma maldição quando mal interpretada. Todos os momentos são oportunos para entendermos e procurarmos saber a vontade de Deus, mas nesses e noutros momentos de grandes fatos mundiais, tomemos a oportunidade para aprender ainda mais sobre a revelação de Deus. Contudo, antes de começarmos freneticamente a fazer malabarismos com a palavra de Deus ante o primeiro ruído de notícia, devemos procurar estudar as profecias bíblicas e nos manter atentos aos eventos, esperando com cautela e em oração que a própria história revele mais detalhes (Dn 2:20-21), para que então possamos comparar com as profecias a fim de entendê-las melhor (Mt 24:15ss).
Ao fazermos assim nossa esperança é renovada, conservada e aumentada. Mas se continuarmos a especular e profetizar eventos alheios à palavra de Deus corremos o risco de perder a esperança e, ainda pior, corremos o risco de diminuir a esperança do nosso próximo. As profecias são bênçãos de Deus se usadas com sabedoria, mas essas bênçãos podem se tornar maldições em nossas mãos. Por outro lado, a maldição dos sábios judeus pode ser uma bênção para nós e para as pessoas que nos cercam se levada em consideração. Mantendo viva a esperança no verdadeiro evento – a volta de Jesus.
E para os ansiosos e apressados que continuam a se perguntar: “mas por que o Senhor tarda tanto?”, a resposta se encontra no Seu grande amor pelos seres humanos. Assim, não deveríamos nós atentar à Sua Palavra e, igualmente, amar nosso próximo a fim de criar/conservar dentro deles a chama da esperança no grande evento apocalíptico que é o retorno do nosso Salvador Jesus Cristo? Sobre isso o Talmude continua: “Mas por que o Senhor tarda tanto? Por causa do Seu atributo de justiça que O faz demorar. Então por que devemos esperar? Para sermos recompensados pela esperança, como está escrito: ‘bem-aventurados todos os que nEle esperam’” (Isaías 30:18).[2]

Por Wilian Cardoso



[1] Talmude Babilônico Sanhedrin 97b.
[2] Idem.

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