O status de Israel: A salvação de Israel e a Era Messiânica dependem da fé no Messias
Esse pequeno país do Oriente Médio é incomum porque os judeus são incomuns. Pela lógica histórica, cultural, social e militar, eles já deveriam ter sumido do mapa há séculos. No entanto, continuam no centro da história.
Sua cultura, sua herança religiosa, sua localização geográfica e seu estreito relacionamento com a nação mais poderosa do planeta, os Estados Unidos, são fatores importantes em sua incrível trajetória. Mas o que isso significa em termos religiosos? Qual é o status teológico de Israel hoje?
A igreja e a sinagoga
Em 1948, com a criação do Estado de Israel e o retorno dos judeus à Palestina, os adeptos do "dispensacionalismo" se agitaram. O dispensacionalismo é um sistema de interpretação profética futurista esboçado no 2o século, utilizado na contra-reforma católica (século 16), reformulado no século 19 pelos Irmãos Plymouth e popularizado pela Bíblia de Referência de Scofield na década de 1920, o qual faz uma forte separação entre a Igreja e Israel, dizendo que a Igreja será arrebatada e Israel continuará na Terra sofrendo a ira de um anticristo político e desempenhando um papel fundamental na conversão do mundo.
Para os dispensacionalistas, o Estado de Israel é o cumprimento literal de profecias do Antigo Testamento e sinaliza o breve regresso de Jesus. Leon J. Wood escreveu, no livro The Bible and Future Events (Zondervan, 1980), que "o sinal mais claro da volta de Jesus é o moderno Estado de Israel". Um livro de Hal Lindsey sobre o assunto vendeu mais de 18 milhões de cópias! A série de livros e o filme Left Behind se baseiam nessa interpretação.
Quando os israelitas reconquistaram a Cidade Velha de Jerusalém, em 1967, muitos cristãos viram nisso o cumprimento da profecia de Jesus em Lucas 21:24, onde se diz que "até que os tempos dos gentios se completem, Jerusalém será pisada por eles". Um anúncio publicado na revista Christianity Today (27 de outubro de 1967) refletiu bem o pensamento popular da época: "Está a profecia sendo cumprida nas terras bíblicas hoje? Venha e veja." Alguns diziam que agora só faltava reconstruir o Templo. Uma fundação foi criada para isso. O problema é que no lugar exato do antigo Templo estava e está o Domo da Rocha, construído entre 688 e 691 d.C. por um califa de Damasco. Mexer no Domo é detonar uma guerra com os muçulmanos.
O Dr. Samuele Bacchiocchi, ex-professor na Andrews University, discorda da interpretação dispensacionalista. Em uma newsletter (www.biblicalperspectives.com), ele argumentou que já houve um cumprimento parcial das profecias do Antigo Testamento quando os judeus retornaram da Babilônia para a Palestina em 536 a.C. (sob Zorobabel) e em 457 a.C. (sob Esdras), mas o cumprimento final será a reunião universal de todos os crentes na Nova Terra. O evento que segue aos "tempos dos gentios" em Lucas 21, diz ele, não é a soberania judaica sobre Jerusalém, mas o retorno de Cristo. Além disso, Bacchiocchi afirma que interpretar as profecias do Antigo Testamento literalmente é ignorar os "SE’s" que acompanham as promessas de Deus a Israel. As promessas eram condicionais à fidelidade de Israel (Deut. 30; Jer. 18:9 e 10).
Sem apoiar o dispensacionalismo, o pastor Benoni Oliver, casado com uma judia e estudioso das questões judaicas, atualmente morando nos Estados Unidos, acha que os fatos históricos ligados a Israel desde a dispersão até a sua volta à Palestina, "se não são cumprimentos de profecia, permitem muito bem que profecias se cumpram quanto ao destino de Israel". Para ele, a Nova Aliança entre Deus e Israel (Jer. 31) indica que "a porta da graça sempre esteve e estará aberta também a Israel como povo". Benoni tem esperança de que os judeus aceitem em massa a Jesus como Messias e forneçam "novos Paulos e Apolos para testemunhar da validade da revelação, evidenciar a eternidade da Lei e ajudar a levar o evangelho a todo o mundo".
O Dr. Reinaldo Siqueira, professor no Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia, vai quase na mesma linha. Após frisar que os judeus têm direito à existência como qualquer outro povo, ele diz que Israel não é o cumprimento específico de profecias, mas está aí para ajudar a cumpri-las. Seu raciocínio: é Deus quem estabelece reinos; e, se Ele permitiu a criação do Estado de Israel, é porque tem um propósito. No entanto, Siqueira critica a dicotomia dispensacionalista que estabelece um plano para Israel e outro para a Igreja, pois "sua missão é a mesma".
O estabelecimento de Israel teria possibilitado uma reaproximação do Novo Testamento e de Jesus por parte dos judeus. "Mais seguros quanto à sua sobrevivência física, eles se abriram para considerar outras possibilidades", afirma Siqueira. Nos últimos anos, surgiram mais de 300 estudos de eruditos judeus sobre Jesus. De apóstata execrado, Jesus passou a judeu, a grande profeta e, para muitos, a Messias.
O Messias e a torah
Certamente, um entendimento teológico entre cristãos e judeus passa pela definição da identidade do Messias. Ao dirigir-se a um auditório de sacerdotes católicos, Martin Buber teria dito: "Qual é a diferença entre os judeus e os cristãos? Todos nós esperamos o Messias. Vocês crêem que ele veio e foi embora, enquanto nós não. Portanto, proponho que o esperemos juntos. Quando ele aparecer, podemos perguntar-lhe: ‘Você já esteve aqui antes?’" Então Buber fez uma pausa e acrescentou: "E eu espero que nesse momento eu esteja perto dele o suficiente para cochichar em seu ouvido: ‘Por amor do Céu, não responda.’" A anedota, relatada por Elie Wiesel em All Rivers Run to the Sea (Knopf, 1996), é boa, sugere um diálogo pluralista, mas a atitude implícita nela não leva à descoberta da verdade.
A identidade do Messias perdeu relevância no judaísmo. Muitos judeus da linha mais liberal já não crêem em um Messias pessoal, mas sim numa Era Messiânica. Porém, na perspectiva cristã, o papel do Messias em relação a Israel e ao mundo é central e inegociável. O Messias está no coração do Antigo Testamento, segundo os escritores do Novo Testamento. "Para o apóstolo Paulo", escreveu o teólogo Hans K. LaRondelle na revista Ministry (junho de 1997), "a verdade central do Velho Testamento não era Israel e seu futuro nacional, mas Jesus, o Messias". É o Messias que lidera Israel, e não o contrário. O destino de Israel e a Era Messiânica dependem do Messias.
O professor Wilson Paroschi, que está preparando sua tese de doutorado sobre o conceito de povo de Deus no evangelho de João, afirma que Israel pode ser descrito como a nação que "não reconheceu o tempo em que Deus veio para salvá-la" (Luc. 19:44). Seu Rei-Messias a visitou e não foi reconhecido. "O Rei, como sabemos, foi de fato coroado, vestido de púrpura, e entronizado, mas numa cruz, e não no trono de Davi", comenta.
Isso significa que Deus rejeitou Israel? "De modo nenhum", responde Paroschi, ecoando o apóstolo Paulo (Rom. 11:1). Nem Israel como um todo rejeitou o Messias, conforme evidencia o Novo Testamento. Calcula-se que, à época do apedrejamento de Estêvão (ano 34 d.C.), havia cerca de 25 mil judeus conversos ao cristianismo, o que representava talvez a metade da população de Jerusalém. E o número continuou crescendo; porém, não percentualmente...
Mas Paroschi acrescenta que os privilégios temporais e espirituais de Israel foram entregues a outro "povo" (o cristianismo, também chamado de "Israel espiritual"), formado por pessoas de todas as nacionalidades. O novo critério para definir se alguém é "filho" de Abraão não mais era étnico, mas espiritual (Gál. 3:29): fé no Messias. Israel continuou sendo "eclésia" ou "sinagoga" (no sentido de assembléia espiritual), mas perdeu a "teocracia".
Israel teve alguns privilégios que nenhum outro povo teve. Em Romanos 9:4 e 5, o apóstolo Paulo deixa isso claro. Israel (1) é o povo escolhido, (2) foi adotado por Deus, (3) "assinou" acordos com Deus, (4) recebeu a "glória", (5) recebeu a Lei, (6) tem a adoração verdadeira, (7) recebeu as promessas, (8) tem os patriarcas em sua árvore genealógica, (9) deu Cristo ao mundo. Mas será que isso garante automaticamente a salvação?
No início do século 20, o judeu-alemão Franz Rosenzweig (1886-1929) lançou a teoria dos "dois concertos", que se tornaria muito influente. Em síntese, ele dizia que Deus estabeleceu um concerto com os judeus e outro com os gentios – diferentes, complementares e igualmente válidos. Haveria dois meios de salvação. Jesus é o caminho ao Pai para os gentios, mas os judeus já estão com o Pai desde o Sinai, e não precisam ir ao Pai. É como se ele dissesse: "OK, Jesus é o meio de salvação para vocês, mas nós judeus já estamos salvos." Os judeus, portanto, não precisariam de evangelização.
Alguns teólogos cristãos assinam embaixo dessa teoria. Eugene Fisher chegou a escrever na Biblical Archeology Review (março/abril de 1991) que quando um judeu diz "não" a Cristo ele está dizendo "sim" a Deus. O apóstolo Paulo jamais endossaria esse ponto de vista. Basta uma afirmação dele para evidenciar isso: "Eu não me envergonho do evangelho, pois é o poder de Deus para salvar todos os que crêem: primeiro os judeus e depois os não-judeus" (Rom. 1:16). Sua ênfase em Romanos é que judeus e não-judeus (ou "gentios", na linguagem bíblica) dependem igualmente de Cristo para a salvação. A fé no sacrifício do Messias é a única maneira de ser aceito por Deus.
Na perspectiva do Novo Testamento, Israel tem tudo se tiver o Messias. Privilégios – (menos ) Messias = ZERO. A rigor, sem o Messias, Israel ainda tem vantagens passadas, sendo uma bênção para o mundo, mas perde o essencial quanto ao presente e ao futuro. É como se fosse um mensageiro sem mensagem.
Nossos entrevistados também enfatizam que, em matéria de salvação, os judeus não levam nenhuma vantagem sobre os outros povos. Siqueira observa que, na verdade, os privilégios até aumentam a responsabilidade. Paroschi ressalta que a razão básica para essa igualdade é que todos pecaram e precisam de um Salvador. "A salvação não está relacionada com privilégios étnicos, históricos, geográficos ou nacionais", afirma. "Salvação tem a ver com o pecado." Por isso, acrescenta, o judeu do Antigo Testamento não estava "mais salvo" do que o não-judeu, e o cristão de hoje não deve pensar que está "mais salvo" do que o judeu. "Um dos erros do antigo Israel foi justamente pensar que seus privilégios eram de natureza ‘salvífica’." A salvação sempre foi pela graça.
Movimento Messiânico
Um número cada vez maior de judeus está entendendo isso e aceitando que Jesus era/é o Messias. Segundo Siqueira, que morou em Israel e lidera uma sinagoga adventista em São Paulo, já há mais de 200 mil judeus messiânicos no mundo, a maioria nos Estados Unidos. De passagem, vale mencionar que a área da grande Nova York é uma pequena Israel, com cerca de 2,5 milhões de judeus.
Em geral, os judeus messiânicos incluem o tema do Messias em seus "cultos", mas conservam os elementos culturais judaicos, com destaque para a Torah (Lei). É aí que alguns teólogos cristãos fazem restrições. "Se o Messias não for o centro da adoração e do louvor, a sinagoga pode ser sinagoga, mas não tem o direito de reclamar o título de ‘messiânica’", opina Paroschi. O problema não está na idéia da sinagoga messiânica em si, mas na ênfase.
Siqueira defende a abordagem cultural, lembrando que para um judeu aceitar o Messias ele precisa vencer grandes barreiras históricas, teológicas e psicológicas. "Se usamos o Natal, que nem é cristão, para falar de Jesus, por que não usar as festas judaicas para apresentar o Messias?", argumenta. "As festas não são obrigatórias, mas não há indicação de que sejam proibidas. O que Hebreus condena é o sacrifício de animais." Segundo ele, algumas sinagogas pregam mais a Cristo do que muitas igrejas. "O que define nossa unidade não deve ser o estilo litúrgico, mas a doutrina."
Benoni concorda, e diz que "primeiro os messiânicos estão procurando refazer a imagem desvirtuada do Messias e afirmando certos valores perdidos", a fim de facilitar o diálogo. Frisa que o cristianismo deu as costas à Torah, ignorando suas raízes judaicas, e precisa rever alguns pontos, como a questão do dia de descanso (o atual cristianismo, em detrimento da Lei – Velho Testamento – passou a guardar o domingo pagão adotado pela Igreja de Roma). Ele está correto. Se, como diz o Dr. Jacques Doukhan, editor de Shabbat Shalom, "ser um judeu deveria ser mais do que apenas ser um não-cristão (um cristão em negativo)", ser um cristão também deveria ser mais do que ser um não-judeu.
O fato é que o sonho de Paulo em Romanos 11, de que seus conterrâneos deixassem a incredulidade e aceitassem em massa o Messias Yeshua, pode estar se tornando realidade. Mas os cristãos também devem fazer o seu dever de casa, voltando à Bíblia.
por Marcos De Benedicto
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