sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013


O Aniversário do Messias

Como seres vivos seguimos um ciclo de vida padrão: nascemos, crescemos, nos reproduzimos, e, finalmente, morremos. Dentre estes estágios da vida um dos mais marcantes é o dia do “nascimento”. Comumente, chamamos esse episódio de aniversário. Aniversário é uma palavra latina que significa “retorno anual” (anni + versus).[1] É o dia em que se comemora ou celebra, nos anos subsequentes, um evento passado que ocorreu na mesma data e época. Geralmente fazemos uma grande festa com um grande banquete e muitos presentes. Apesar desse costume ser um rito pagão antigo (e isso é uma outra e longa estória)[2], é um momento de muita alegria e felizes lembranças.
Entre tantas lembranças, uma que não queremos esquecer é o momento em que o Messias Filho de Deus surgiu no nosso mundo, em nosso meio, como um de nós. Nomeamos esse evento marcante na história de Natal. Entre outras importantes datas anuais – 25 de Dezembro é uma antiga data em que o mundo, de Norte a Sul e de Leste a Oeste, para a fim de celebrar um evento especial.
Por muito tempo, o aniversário de Jesus, nosso Messias, tem sido celebrado no dia 25 de Dezembro. Contudo, seria essa a verdadeira data do aniversário de Jesus? Ou quem sabe poderíamos perguntar: como chegamos a essa data? As Escrituras realmente apontam uma data de forma clara e precisa? Caso não, poderiam elas nos ajudar a inferir uma data provável para o nascimento do nosso Salvador? E se assim for, qual é a importância desse episódio?

O Dia 25 de Dezembro
Os Evangelhos, bem como as demais Escrituras, em nenhum momento apresentam a data do nascimento de Cristo; nem nos dão evidências claras para que cheguemos a uma data precisa. No entanto, 25 de Dezembro há tempos tem sido duvidado, por muitos teólogos e estudiosos, como sendo de fato a verdadeira data para o nascimento de Jesus.
Clemente de Alexandria (150-217), escritor e teólogo cristão primitivo, chega a mencionar que já na sua época as pessoas procuravam uma data para marcar o nascimento de Jesus, porém nunca chega a mencionar a data de 25 de Dezembro.[3] Mas a primeira fonte a declarar 25 de Dezembro como a data do aniversário de Jesus foi Hipólito de Roma (170-236), onde toma como base o equinócio[4] da primavera (colocado em 25 de Março) como sendo o período da concepção de Jesus, e 9 meses depois, 25 de Dezembro, seu nascimento no solstício[5] de inverno.[6] Na verdade, muitos creem que mesmo antes dos séculos IV e V d.C. , Seu nascimento já fora associado com a Primavera ou algum tempo entre Janeiro (dia 6). Contudo, 25 de Dezembro foi escolhido, e começou a ser celebrado de modo definitivo, pelo Papa Libério em 354 d.C., possivelmente porque correspondia com o solstício de inverno e com as celebrações pagãs. Na verdade, 25 de Dezembro era uma data muito comum no mundo antigo, pois era o momento do solstício de inverno – o dia mais curto do ano, considerado como o dia do nascimento do sol (natalis solis invicti), visto que a partir desse momento astronômico a luz solar começa a incidir com mais intensidade sobre a Terra. Assim, muitos deuses pagãos tinham seu nascimento celebrado nesse dia: Mitras, Hórus, Átis, Dionísio, entre outros.
No entanto, não é preciso lembrar que, infelizmente, muitas culturas e ritos pagãos, relacionados à divindade solar, foram incorporados pouco a pouco na igreja cristã, e muitos deles são praticados ainda nos dias de hoje, porém com um significado bíblico-cristão adotado. E o aniversário de Jesus se tornou um deles.

Pistas do Nascimento de Jesus
Somos curiosos e isso é fato. Afinal, somos humanos e descendemos da cultura grega. Queremos saber se é possível datar o nascimento de Cristo de alguma forma. Para nossa alegria e surpresa, os Evangelhos nos dão algumas pistas que podem nos ajudar a decifrar esse enigma e marcar uma data provável para esse acontecimento.

1)     Lucas 2:8 – os pastores e o rebanho: nessa passagem nos é dito que no dia do nascimento de Jesus havia entre as redondezas, alguns pastores que cuidavam de seu rebanho. Em Israel, o período de dezembro a fevereiro compreende à estação de inverno, logo, seria improvável que os pastores estivessem nos campos durante essa época de intenso frio. Mais comum seria encontrá-los no início de março até o início de outubro (período entre o início da primavera ao início do outono).
Da mesma forma, estaria muito frio para que o governo exigisse que seus habitantes viajassem a fim de registrar seus nomes para o censo (Lc 2:1-5); seria mais óbvio e inteligente aproveitar uma das três festas de peregrinação (Lv 16:16-17), época em que havia uma grande aglomeração de judeus em Jerusalém. Portanto, podemos excluir os meses de Dezembro a Fevereiro com segurança.

Lucas 1:5 – o turno de Abias: este texto menciona sobre Zacarias, pai de João Batista, um sacerdote do “turno de Abias”. Durante seu reinado, Davi havia dividido os sacerdotes em 24 grupos de acordo com suas famílias (1 Cr 24:1-4), a fim de organizar o serviço do Santuário. A sequência dos turnos foi determinada por meio da sorte (1 Cr 24:7-19), permanecendo a família de Abias no 8º turno (1 Cr 24:10). Cada grupo iniciava suas atividades ao Sábado e terminava o turno ao completar 7 dias (2 Cr 23:8; 1 Cr 9:25). O primeiro turno começava seu trabalho a partir da primeira semana do primeiro mês do calendário judaico, chamado Nissan, e assim seguia-se consecutivamente até iniciar um novo ciclo. Contudo, durante o período das 3 grandes festas todos os 24 grupos deviam se apresentar. Dessa forma, o 8º turno – “o turno de Abias”, exerceria suas atividades após a festa de Pentecostes, por volta do segundo Sábado do mês de Sivan (3º mês – maio/junho). 
A seguir, o relato bíblico nos informa que acabado o turno de Zacarias em poucos dias sua esposa concebeu a João. Assim, se o turno de Zacarias começou no segundo Sábado, então terminaria durante o terceiro Sábado de Sivan, acrescentamos 9 meses da gestação de Isabel e chegamos ao início do 1º mês (Nissan).[7] Diante desse dado, poderíamos inferir que João possivelmente tenha nascido ao redor da Páscoa. Isto seria bastante propício, pois na tradição judaica, durante a cerimônia pascal esperava-se que Elias retornasse anunciando a vinda do Messias (Ml 4:5).[8] O que estaria em conformidade com os Evangelhos onde João Batista é identificado, nesse mesmo texto e mais tarde pelo próprio Cristo, como sendo uma personificação de Elias (Lc 1:17; Mt 17:10-13).

Lucas 1:26-27, 36 – a idade gestacional de Isabel: ao informar Maria que ela conceberia um filho, o anjo Gabriel menciona que o tempo de gravidez de Isabel era de 6 meses, ou seja, se a concepção de Maria ocorreu naquele exato dia, então João Batista seria 6 meses mais velho que Jesus. Com esses dados podemos calcular a data da concepção de Jesus, bem como o Seu nascimento. Assim, 6 meses após a concepção de Isabel chegaríamos ao fim do 9º mês (Kislev – novembro/dezembro), em torno da Festa de Hanucá (“Dedicação”), também chamada de Festa das Luzes; que inicia-se no dia 25 de Kislev e é observada durante 8 dias (1 Mac 4:59). Curioso que Jesus é descrito no Evangelho de João como sendo a luz do mundo (Jo 1:4-9; 8:12; 9:5; 12:46). Este fato é bastante pontual, visto que em seu Evangelho, João registra muitos dos ensinos de Jesus diretamente relacionados às crenças e práticas religiosas características das festas bíblicas.[9] 
E por fim, se adicionarmos 9 meses à concepção de Maria chegaríamos por volta do início do mês de Tishre (7º mês – setembro/outubro). Para sermos mais precisos, tomemos o nascimento de João Batista como sendo na Páscoa – 14/15 de Nissan, adicionamos 6 meses e chegamos a 15 de Tishre – precisamente o primeiro dia da Festa dos Tabernáculos (Lv 23:34).

Lucas 3:23 – início do ministério: uma última pista é a de que Jesus tinha 30 anos quando iniciou seu ministério (ver Nm 4:3ss.). Assim, assumindo que sua obra durou 3 ½ anos, o que culminou na cruz (14 de Nissan, Páscoa), retrocedendo ou adicionando 6 meses chegamos novamente ao início da Festa dos Tabernáculos.

Como mencionado anteriormente, o Evangelho de João é aquele que mais relaciona os episódios da vida e obra de Jesus com as práticas e crenças relacionadas às festas judaicas. Portanto, não seria de se admirar que ele fizesse uma relação do nascimento de Cristo com a Festa dos Tabernáculos dentro de seu livro. E de fato ele parece fazer. Em João 1:14, João usa uma expressão incomum no NT – a palavra skenoo, um verbo usado apenas 5 vezes e todos dentro de seus escritos (Jo 1:14; Ap 7:15; 12:12; 13:6; 21:3). Ele menciona que “o Verbo se fez carne e habitou [skenoo] entre nós”. O verbo skenoo, mas do que “habitar”, literalmente significa “armar a tenda”, mesma palavra usada na LXX para traduzir sukot – as cabanas usadas na festa. Também parece ter sido escolhido para reproduzir tanto a ideia quanto o som da palavra hebraica shekiná, usada no AT com referência à divinal habitação/permanência do Senhor dentro do mishkan (“tabernáculo-santuário”).

Conclusão
Na tradição judaica é extremamente comum o nascimento, a morte ou um evento marcante na história do povo, estar relacionado a um período festivo (Gn 1:14). Não seria estranho, portanto, que o nascimento bem como a morte de Jesus estivessem relacionados com eventos festivos. E talvez não seja mera coincidência João iniciar seu Evangelho falando de Jesus como a Luz (principal característica de Hanucá) no mundo (Jo 1:4-9), bem como o Tabernáculo (principal característica da Festa dos Tabernáculos) vivo de Deus na Terra.
Hanucá, apesar de não ser uma festa bíblica, foi a última festa a ser instituída. Não apenas marcou um episódio importante para o povo judeu, como também foi um evento necessário para a chegada do Messias. Para que o segundo Templo tivesse maior glória do que o primeiro (Ag 2:9), precisava ser restaurado e dedicado a fim de que a presença visível de Deus preenchesse seu espaço outrora vazio. Uma dedicação que tornou real através do milagre da luz.[10] A Festa dos Tabernáculos era a sétima e última festa bíblica (Lv 23:33-43). Comemorava o momento em que Deus habitou com o povo de Israel, os sustentou e os protegeu. Uma festa onde a alegria não era apenas algo propício, mas um mandamento declarado do Senhor (Lv 23:40; Dt 16:14,15). Extremamente marcante, e apenas para refletir, é o fato de que a Festa de Hanuká e a dos Tabernáculos possuem uma forte conexão, sendo Hanucá considerada como uma segunda Festa dos Tabernáculos (2 Mac 1:9,18; 10:6-7).
Em Zacarias 14:16 está escrito: “Todos os que restarem de todas as nações que vieram contra Jerusalém subirão de ano em ano para adorar o Rei, o SENHOR dos Exércitos, e para celebrar a Festa dos Tabernáculos.” e João acrescenta: “Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará [skenoo] com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles.” Está será a última e grande festa a ser celebrada. Da Páscoa ao Dia da Expiação, todas alcançam sua plenitude na vida e obra de Cristo, apenas a Festa dos Tabernáculos permanecerá como o festival eterno. E nesse dia não haverá mais sol ou lua, porque o Cordeiro será a nossa Luz (Ap 21:33; 22:5). A lembrança de seu nascimento ficará para sempre. O aniversário do eterno EMANUEL.


[1] “Anniversary” em Online Etymology Dictionary, acessado em 16/12/2012.
[2] Veja Ralph e Adelin Linton, The Lore of Birthdays (Nova Iorque: Omnigraphics, 1997).
[3] “How December 25 Became Christmas” em http://www.bib-arch.org/e-features/christmas.asp, acesso em 16/12/2012.
[4] Equinócio é uma palavra latina que significa “noite igual”, e refere-se ao momento do ano em que a duração do dia é igual à da noite sobre toda a Terra, esse fenômeno marca as estações de primavera e outono de acordo com o hemisfério.
[5] Outra palavra latina que significa “parada solar”, é um período no ano em que a Terra recebe mais luz solar num hemisfério e menos no outro. Esse fenômeno marca as estações de inverno e verão de acordo com o hemisfério.
[6] Hipólito de Roma, Comentário sobre Daniel, livro 4, 23:3. Arquivo eletrônico. Alguns consideram essa, uma fonte duvidosa.
[7] O calendário judaico é luni-solar, ou seja, os meses seguem o ciclo lunar e os anos o solar.
[8] Ainda hoje na cerimônia judaica de Páscoa, os judeus reservam a ele um lugar à mesa e uma taça de vinho, abre-se a porta da casa e Elias é convidado a entrar.
[9] Reinaldo Siqueira, “Holy Seasons of Hope and Faith”, Shabat Shalom, Inverno de 2003/2004, p. 18.
[10] A fim de conhecer mais sobre a estória e importância de Hanucá, leia 1 e 2 Macabeus.

por Wilian Cardoso

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