O Aniversário do Messias
Como seres vivos seguimos um ciclo de vida padrão: nascemos,
crescemos, nos reproduzimos, e, finalmente, morremos. Dentre estes estágios da
vida um dos mais marcantes é o dia do “nascimento”. Comumente, chamamos esse
episódio de aniversário. Aniversário é uma palavra latina que significa “retorno
anual” (anni + versus).[1] É
o dia em que se comemora ou celebra, nos anos subsequentes, um evento passado
que ocorreu na mesma data e época. Geralmente fazemos uma grande festa com um
grande banquete e muitos presentes. Apesar desse costume ser um rito pagão antigo
(e isso é uma outra e longa estória)[2], é
um momento de muita alegria e felizes lembranças.
Entre tantas lembranças, uma que não queremos esquecer é o momento
em que o Messias Filho de Deus surgiu no nosso mundo, em nosso meio, como um de
nós. Nomeamos esse evento marcante na história de Natal. Entre outras
importantes datas anuais – 25 de Dezembro é uma antiga data em que o mundo, de
Norte a Sul e de Leste a Oeste, para a fim de celebrar um evento especial.
Por muito tempo, o aniversário de Jesus, nosso Messias, tem sido
celebrado no dia 25 de Dezembro. Contudo, seria essa a verdadeira data do aniversário
de Jesus? Ou quem sabe poderíamos perguntar: como chegamos a essa data? As
Escrituras realmente apontam uma data de forma clara e precisa? Caso não,
poderiam elas nos ajudar a inferir uma data provável para o nascimento do nosso
Salvador? E se assim for, qual é a importância desse episódio?
O Dia 25 de Dezembro
Os Evangelhos, bem como as demais Escrituras, em nenhum momento
apresentam a data do nascimento de Cristo; nem nos dão evidências claras para
que cheguemos a uma data precisa. No entanto, 25 de Dezembro há tempos tem sido
duvidado, por muitos teólogos e estudiosos, como sendo de fato a verdadeira
data para o nascimento de Jesus.
Clemente de Alexandria (150-217), escritor e teólogo cristão
primitivo, chega a mencionar que já na sua época as pessoas procuravam uma data
para marcar o nascimento de Jesus, porém nunca chega a mencionar a data de 25
de Dezembro.[3]
Mas a primeira fonte a declarar 25 de Dezembro como a data do aniversário de
Jesus foi Hipólito de Roma (170-236), onde toma como base o equinócio[4] da
primavera (colocado em 25 de Março) como sendo o período da concepção de Jesus,
e 9 meses depois, 25 de Dezembro, seu nascimento no solstício[5] de
inverno.[6] Na
verdade, muitos creem que mesmo antes dos séculos IV e V d.C. , Seu nascimento já
fora associado com a Primavera ou algum tempo entre Janeiro (dia 6). Contudo,
25 de Dezembro foi escolhido, e começou a ser celebrado de modo definitivo, pelo
Papa Libério em 354 d.C., possivelmente porque correspondia com o solstício de
inverno e com as celebrações pagãs. Na verdade, 25 de Dezembro era uma data
muito comum no mundo antigo, pois era o momento do solstício de inverno – o dia
mais curto do ano, considerado como o dia do nascimento do sol (natalis
solis invicti), visto que a partir desse momento astronômico a luz solar começa
a incidir com mais intensidade sobre a Terra. Assim, muitos deuses pagãos
tinham seu nascimento celebrado nesse dia: Mitras, Hórus, Átis, Dionísio, entre
outros.
No entanto, não é preciso lembrar que, infelizmente, muitas
culturas e ritos pagãos, relacionados à divindade solar, foram incorporados
pouco a pouco na igreja cristã, e muitos deles são praticados ainda nos dias de
hoje, porém com um significado bíblico-cristão adotado. E o aniversário de Jesus
se tornou um deles.
Pistas do Nascimento de Jesus
Somos curiosos e isso é fato. Afinal, somos humanos e descendemos
da cultura grega. Queremos saber se é possível datar o nascimento de Cristo de
alguma forma. Para nossa alegria e surpresa, os Evangelhos nos dão algumas
pistas que podem nos ajudar a decifrar esse enigma e marcar uma data provável
para esse acontecimento.
1) Lucas
2:8 – os pastores e o rebanho: nessa
passagem nos é dito que no dia do nascimento de Jesus havia entre as redondezas,
alguns pastores que cuidavam de seu rebanho. Em Israel, o período de dezembro a
fevereiro compreende à estação de inverno, logo, seria improvável que os
pastores estivessem nos campos durante essa época de intenso frio. Mais comum
seria encontrá-los no início de março até o início de outubro (período entre o
início da primavera ao início do outono).
Da mesma forma, estaria muito frio para que o governo exigisse que
seus habitantes viajassem a fim de registrar seus nomes para o censo (Lc 2:1-5);
seria mais óbvio e inteligente aproveitar uma das três festas de peregrinação (Lv
16:16-17), época em que havia uma grande aglomeração de judeus em Jerusalém.
Portanto, podemos excluir os meses de Dezembro a Fevereiro com segurança.
Lucas
1:5 – o turno de Abias: este texto menciona
sobre Zacarias, pai de João Batista, um sacerdote do “turno de Abias”. Durante
seu reinado, Davi havia dividido os sacerdotes em 24 grupos de acordo com suas
famílias (1 Cr 24:1-4), a fim de organizar o serviço do Santuário. A sequência
dos turnos foi determinada por meio da sorte (1 Cr 24:7-19), permanecendo a
família de Abias no 8º turno (1 Cr 24:10). Cada grupo iniciava suas atividades
ao Sábado e terminava o turno ao completar 7 dias (2 Cr 23:8; 1 Cr 9:25). O
primeiro turno começava seu trabalho a partir da primeira semana do primeiro
mês do calendário judaico, chamado Nissan, e assim seguia-se consecutivamente
até iniciar um novo ciclo. Contudo, durante o período das 3 grandes festas
todos os 24 grupos deviam se apresentar. Dessa forma, o 8º turno – “o turno de
Abias”, exerceria suas atividades após a festa de Pentecostes, por volta do
segundo Sábado do mês de Sivan (3º mês – maio/junho).
A seguir, o relato bíblico nos informa que acabado o turno de
Zacarias em poucos dias sua esposa concebeu a João. Assim, se o turno de
Zacarias começou no segundo Sábado, então terminaria durante o terceiro Sábado
de Sivan, acrescentamos 9 meses da gestação de Isabel e chegamos ao início do
1º mês (Nissan).[7]
Diante desse dado, poderíamos inferir que João possivelmente tenha nascido ao
redor da Páscoa. Isto seria bastante propício, pois na tradição judaica, durante
a cerimônia pascal esperava-se que Elias retornasse anunciando a vinda do
Messias (Ml 4:5).[8]
O que estaria em conformidade com os Evangelhos onde João Batista é
identificado, nesse mesmo texto e mais tarde pelo próprio Cristo, como sendo
uma personificação de Elias (Lc 1:17; Mt 17:10-13).
Lucas
1:26-27, 36 – a idade gestacional de Isabel: ao
informar Maria que ela conceberia um filho, o anjo Gabriel menciona que o tempo
de gravidez de Isabel era de 6 meses, ou seja, se a concepção de Maria ocorreu
naquele exato dia, então João Batista seria 6 meses mais velho que Jesus. Com
esses dados podemos calcular a data da concepção de Jesus, bem como o Seu
nascimento. Assim, 6 meses após a concepção de Isabel chegaríamos ao fim do 9º
mês (Kislev – novembro/dezembro), em torno da Festa de Hanucá (“Dedicação”),
também chamada de Festa das Luzes; que inicia-se no dia 25 de Kislev e é
observada durante 8 dias (1 Mac 4:59). Curioso que Jesus é descrito no
Evangelho de João como sendo a luz do mundo (Jo 1:4-9; 8:12; 9:5; 12:46). Este
fato é bastante pontual, visto que em seu Evangelho, João registra muitos dos ensinos
de Jesus diretamente relacionados às crenças e práticas religiosas
características das festas bíblicas.[9]
E por fim, se adicionarmos 9 meses à concepção de Maria chegaríamos
por volta do início do mês de Tishre (7º mês – setembro/outubro). Para sermos
mais precisos, tomemos o nascimento de João Batista como sendo na Páscoa – 14/15
de Nissan, adicionamos 6 meses e chegamos a 15 de Tishre – precisamente o
primeiro dia da Festa dos Tabernáculos (Lv 23:34).
Lucas
3:23 – início do ministério: uma última
pista é a de que Jesus tinha 30 anos quando iniciou seu ministério (ver Nm 4:3ss.).
Assim, assumindo que sua obra durou 3 ½ anos, o que culminou na cruz (14 de
Nissan, Páscoa), retrocedendo ou adicionando 6 meses chegamos novamente ao
início da Festa dos Tabernáculos.
Como mencionado anteriormente, o Evangelho de João é aquele que
mais relaciona os episódios da vida e obra de Jesus com as práticas e crenças
relacionadas às festas judaicas. Portanto, não seria de se admirar que ele
fizesse uma relação do nascimento de Cristo com a Festa dos Tabernáculos dentro
de seu livro. E de fato ele parece fazer. Em João 1:14, João usa uma expressão
incomum no NT – a palavra skenoo, um verbo usado apenas 5 vezes e todos
dentro de seus escritos (Jo 1:14; Ap 7:15; 12:12; 13:6; 21:3). Ele menciona que
“o Verbo se fez carne e habitou [skenoo] entre nós”. O verbo skenoo,
mas do que “habitar”, literalmente significa “armar a tenda”, mesma palavra
usada na LXX para traduzir sukot – as cabanas usadas na festa. Também
parece ter sido escolhido para reproduzir tanto a ideia quanto o som da palavra
hebraica shekiná, usada no AT com referência à divinal habitação/permanência
do Senhor dentro do mishkan (“tabernáculo-santuário”).
Conclusão
Na tradição judaica é extremamente comum o nascimento, a morte ou
um evento marcante na história do povo, estar relacionado a um período festivo
(Gn 1:14). Não seria estranho, portanto, que o nascimento bem como a morte de
Jesus estivessem relacionados com eventos festivos. E talvez não seja mera
coincidência João iniciar seu Evangelho falando de Jesus como a Luz (principal
característica de Hanucá) no mundo (Jo 1:4-9), bem como o Tabernáculo
(principal característica da Festa dos Tabernáculos) vivo de Deus na Terra.
Hanucá, apesar de não ser uma festa bíblica, foi a última festa a
ser instituída. Não apenas marcou um episódio importante para o povo judeu,
como também foi um evento necessário para a chegada do Messias. Para que o segundo
Templo tivesse maior glória do que o primeiro (Ag 2:9), precisava ser
restaurado e dedicado a fim de que a presença visível de Deus preenchesse seu
espaço outrora vazio. Uma dedicação que tornou real através do milagre da luz.[10] A
Festa dos Tabernáculos era a sétima e última festa bíblica (Lv 23:33-43).
Comemorava o momento em que Deus habitou com o povo de Israel, os sustentou e
os protegeu. Uma festa onde a alegria não era apenas algo
propício, mas um mandamento declarado do Senhor (Lv 23:40; Dt 16:14,15). Extremamente
marcante, e apenas para refletir, é o fato de que a Festa de Hanuká e a dos
Tabernáculos possuem uma forte conexão, sendo Hanucá considerada como uma
segunda Festa dos Tabernáculos (2 Mac 1:9,18; 10:6-7).
Em Zacarias 14:16 está escrito: “Todos os que restarem de todas as nações que vieram
contra Jerusalém subirão de ano em ano para adorar o Rei, o SENHOR dos
Exércitos, e para celebrar a Festa dos Tabernáculos.” e João acrescenta: “Eis o
tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará [skenoo] com eles. Eles
serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles.” Está será a última e grande
festa a ser celebrada. Da Páscoa ao Dia da Expiação, todas alcançam sua
plenitude na vida e obra de Cristo, apenas a Festa dos Tabernáculos permanecerá
como o festival eterno. E nesse dia não haverá mais sol ou lua, porque o Cordeiro
será a nossa Luz (Ap 21:33; 22:5). A lembrança de seu nascimento ficará
para sempre. O aniversário do eterno EMANUEL.
[1] “Anniversary” em Online Etymology Dictionary,
acessado em 16/12/2012.
[2] Veja Ralph e Adelin Linton, The Lore of Birthdays
(Nova Iorque: Omnigraphics, 1997).
[3] “How December 25 Became Christmas” em http://www.bib-arch.org/e-features/christmas.asp, acesso em 16/12/2012.
[4] Equinócio é
uma palavra latina que significa “noite igual”, e refere-se ao momento do ano
em que a duração do dia é igual à da noite sobre toda a Terra, esse fenômeno
marca as estações de primavera e outono de acordo com o hemisfério.
[5] Outra palavra
latina que significa “parada solar”, é um período no ano em que a Terra recebe
mais luz solar num hemisfério e menos no outro. Esse fenômeno marca as estações
de inverno e verão de acordo com o hemisfério.
[6] Hipólito de
Roma, Comentário sobre Daniel, livro 4, 23:3. Arquivo eletrônico. Alguns
consideram essa, uma fonte duvidosa.
[7] O calendário
judaico é luni-solar, ou seja, os meses seguem o ciclo lunar e os anos o solar.
[8] Ainda hoje na
cerimônia judaica de Páscoa, os judeus reservam a ele um lugar à mesa e uma
taça de vinho, abre-se a porta da casa e Elias é convidado a entrar.
[9] Reinaldo Siqueira, “Holy Seasons of Hope and Faith”,
Shabat Shalom, Inverno de 2003/2004, p. 18.
[10] A fim de
conhecer mais sobre a estória e importância de Hanucá, leia 1 e 2 Macabeus.
por Wilian Cardoso
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